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Antidiabéticos e hipoglicemia: breve histórico e mecanismos

Foto de perfil de Marcos Cardoso

Era primavera de 1942 na cidade de Montpellier, na França, quando o médico Marcel Janbon cuidava de pacientes com febre tifoide, uma doença bacteriana geralmente transmitida pelo consumo de alimentos e água contaminados. Para tratá-los, Janbon utilizava um novo medicamento chamado 2254 RP, da classe química das sulfonamidas. O médico começou a notar, porém, que alguns doentes que usavam o medicamento desenvolviam um quadro grave de hipoglicemia, que os levava ao coma e por vezes à morte.

Janbon comentou esse achado com alguns fisiologistas e, entre eles, estava Auguste Loubatières, que demonstrou em animais a ação hipoglicemiante do 2254 RP e de uma série de outros compostos sulfonamídicos, associando esse efeito ao aumento da secreção de insulina pelas células β do pâncreas.

Fotografia de Auguste Loubatières
Fotografia de Auguste Loubatières. Fonte: Wikimedia Commons.

Alguns anos depois, modificações na estrutura química das sulfonamidas deram origem às sulfonilureias (SUs), fármacos que são, ainda hoje, uma das principais classes de medicamentos que tratam o diabetes. Mesmo com melhorias na segurança ao longo das décadas, a hipoglicemia continua sendo uma reação adversa comum dessa classe.

Antidiabéticos e hipoglicemia

O efeito de aumentar a secreção de insulina pelo pâncreas faz com que as sulfonilureias e as meglitinidas (outra classe de antidiabéticos) sejam classificadas como secretagogos de insulina. Esses medicamentos são os mais propensos a causar hipoglicemia durante o manejo farmacológico do diabetes do tipo 2 (DM2), e o motivo é que esses fármacos aumentam a secreção de insulina independentemente dos níveis de glicose no sangue.

Os secretagogos de insulina atuam ligando-se num sítio no complexo de canal de K+ dependente de ATP (KATP) das células β do pâncreas. Os canais de KATP são importantes pois a célula β é eletricamente excitável, e o potencial de membrana pode estimular ou inibir a secreção de insulina.

Esse sítio nos canais de KATP também é chamado de receptor de sulfonilureia, ou SUR, na sigla em inglês. Quando se ligam no SUR, os secretagogos de insulina fecham o canal de K+, despolarizando as células β. A despolarização abre os canais de cálcio (Ca2+) regulados por voltagem, o que aumenta os níveis de Ca2+ intracelular. Esse aumento é o gatilho para que os grânulos que contenham insulina fundam-se com a membrana plasmática das células β, aumentando a exocitose deste hormônio.

No caso das sulfonilureias, o risco de hipoglicemia é maior com os fármacos de primeira geração, com meia-vida longa, como a glibenclamida, enquanto é menor com os de segunda geração, como a glimepirida e a gliclazida. As meglitinidas possuem um risco de hipoglicemia ligeiramente menor do que as sulfonilureias em virtude da meia-vida mais curta e por geralmente serem administradas antes de uma refeição, com o objetivo de controlar a glicemia pós-prandial.

Outras classes de hipoglicemiantes, como os inibidores da DPP-4 e os agonistas do receptor de GLP-1, aumentam a secreção de insulina por mecanismos que dependem dos níveis de glicose no sangue. Por conta disso, quando a glicose sanguínea está em níveis adequados, a secreção de insulina mediada por esses medicamentos passa a ser mínima, o que reduz o risco de hipoglicemia. Os agonistas do receptor de GLP-1 também produzem outros efeitos, como o retardamento do esvaziamento gástrico e a redução do apetite.

Os inibidores de SGLT2, as tiazolidinedionas, os inibidores da alfa-glicosidase e as biguanidas (metformina) também têm menor risco de causar hipoglicemia em comparação com as sulfonilureias e meglitinidas, por atuarem em mecanismos que não envolvem o aumento na secreção de insulina.

Sulfonilureias no tratamento do DM2

As sulfonilureias são fármacos ainda muito utilizados e que constam em algumas diretrizes de tratamento do DM2, incluindo a diretriz da Sociedade Brasileira de Diabetes. Apesar do maior risco de hipoglicemia em comparação com as classes mais novas de antidiabéticos, muito da notoriedade das sulfonilureias advém do longo histórico de uso, já que se trata de uma das classes mais antigas de antidiabéticos de uso oral. Além disso, as SUs são fármacos baratos, o que permite ampliar o acesso para mais pessoas e reduzir custos para os sistemas públicos de saúde.

Folheto do Rastinon® (tolbutamida, SU de 1ª geração) veiculado pela Hoechst, no México, 19611. Fonte: Wellcome Collection.

Hipoglicemia durante o tratamento farmacológico do diabetes

A hipoglicemia é um quadro comum em pacientes com diabetes do tipo 1 que precisam ser tratados com insulina, e é muitas vezes entendida como uma complicação menor no manejo do diabetes tipo 2. A literatura mais recente em saúde tem mostrado, no entanto, que a prevalência desse evento em pacientes com DM2 pode ser maior do que se imagina. Parte do problema surge da dificuldade de muitos profissionais de saúde e de pacientes em identificar episódios de hipoglicemia durante o tratamento do diabetes, além da falta de monitoramento periódico dos níveis de açúcar no sangue.

Em geral, a hipoglicemia é definida quando os níveis de glicose no sangue são menores do que 70 mg/dL. Os sintomas nem sempre estão presentes, especialmente nos casos mais leves, mas podem incluir tremores, suor, tontura, palpitações e visão turva. Em casos mais graves, pode haver convulsões e perda de consciência. Outras complicações incluem um maior risco de problemas cardiovasculares, declínio cognitivo e uma associação com o desenvolvimento de demência.

Os fatores de risco para a hipoglicemia durante o manejo do diabetes incluem:

  • Uso de insulina ou de secretagogos de insulina (incluindo quando em associação);
  • Dieta com restrição excessiva de carboidratos;
  • Consumo de bebidas alcoólicas;
  • Prática de atividades físicas sem o aporte necessário de carboidratos;
  • Insuficiência renal e/ou hepática;
  • Metas terapêuticas muito rígidas;
  • Episódios prévios de hipoglicemia.

Os pacientes idosos são especialmente vulneráveis aos episódios de hipoglicemia por conta do declínio das funções fisiológicas, da coexistência de doenças crônicas e da prática da polifarmácia, que é o uso simultâneo de cinco ou mais medicamentos. Nesses pacientes, a hipoglicemia também é um fator de risco para a ocorrência de quedas, o que pode causar fraturas e limitar as atividades diárias.

A prevenção da hipoglicemia em idosos deve incluir a educação sobre os principais sintomas do quadro, o monitoramento periódico da glicemia, alimentação adequada, redução do consumo de álcool e, quando necessário, orientação médica com o propósito de rever as metas terapêuticas.

  1. O cigarrinho era charme em 1961. ↩︎
Referências

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